Criando seu próprio game do zero
Guia prático sobre desenvolvimento de jogos, engines, Blueprints e por onde começar
O sonho de criar seu próprio jogo
Se você tá lendo isso, provavelmente já teve aquele momento jogando algum game e pensou: “cara, seria muito foda fazer um jogo meu”. Eu tive. Várias vezes. E deixa eu te contar - é mais acessível do que parece começar, mas também é mais trabalhoso do que a galera imagina pra terminar algo de verdade.
Esse documento é pra quem tá começando do zero ou quase isso. Vou falar sobre as principais ferramentas, engines, linguagens de programação, e principalmente sobre a Unreal Engine e suas Blueprints - que na minha opinião é uma das melhores portas de entrada pro mundo do desenvolvimento de games.
Entendendo o Cenário: Engines e Ferramentas
O que diabos é uma Game Engine?
Antes de sair baixando tudo que aparece no Google, vale entender o que é uma engine. De forma simplificada, uma game engine é uma plataforma que já vem com um monte de coisa pronta pra você não ter que reinventar a roda. Física, renderização, sistema de input, áudio - tudo isso já tá lá, você só precisa usar.
Imagina ter que programar do zero como um objeto cai com gravidade, como a luz reflete nas superfícies, como o som diminui com a distância… daria pra fazer, mas você ia passar anos só nisso antes de começar o jogo de verdade. A engine resolve isso.
As principais engines do mercado hoje são:
Unreal Engine - A engine da Epic Games. Conhecida pelos gráficos absurdos (Fortnite, Gears of War, e vários outros usam ela). Tem o sistema de Blueprints que permite “programar” visualmente, sem escrever código. Também suporta C++ pra quem quer mais controle. Asset store bem monstra, tendo muita coisa gratuita e promoções de 100% off de assets por mês.
Unity - Provavelmente a mais popular entre indies e desenvolvedores mobile. Usa C# como linguagem principal. Interface mais amigável pra iniciantes, comunidade gigantesca, e uma asset store bem completa.
Godot - Open source e gratuita, sem royalties, nada. Tem crescido muito nos últimos anos. Suporta uma linguagem própria (GDScript) que é bem parecida com Python, além de C#.
CryEngine - Foco em gráficos ultra realistas. Foi usada no Crysis (aquele que derretia PCs). Menos popular entre indies, mas poderosa.
Construct - Mais voltada pra jogos 2D e iniciantes absolutos. Praticamente não precisa programar.
RPG Maker - Não sei se deveria entrar aqui, mas eu usava bastante ele quando era criança para criar meus RPGs 2D.
Cada uma tem seus pontos fortes. Pra esse documento, vou focar mais na Unreal porque é onde tenho ganhado mais experiência e acho que o sistema de Blueprints é genial pra quem tá começando.
Unreal Engine: Por que eu gosto tanto
A Engine que não te cobra (quase) nada
Uma das coisas que mais me atraiu na Unreal foi o modelo de negócio. A Epic Games só cobra royalties de 5% depois que seu jogo ultrapassar 1 milhão de dólares em receita bruta. Leu certo - um milhão. Até lá, é tudo seu.
Pra contexto: a maioria dos jogos indie nem chega perto disso. Então na prática, pra maior parte de nós, a engine é gratuita. E não é uma versão limitada não - você tem acesso a tudo, todos os recursos, todas as ferramentas. A mesma engine que faz Fortnite e Valorant tá ali pra você usar de graça.
Importante: essa taxa é sobre receita bruta, não lucro. Então se seu jogo faturar 1.1 milhão mas você gastou 1 milhão fazendo, ainda paga os 5% sobre os 100 mil excedentes. Mas honestamente, se você chegou nesse ponto, tá num ótimo problema pra ter.
Assets gratuitos: O tesouro escondido
Agora deixa eu falar de uma coisa que pouca gente sabe direito: a quantidade absurda de assets gratuitos que a Epic disponibiliza.
Todo mês a Epic libera assets pagos de graça por tempo limitado. Estou falando de pacotes que custam 20, 50, 150, às vezes 300 dólares, que ficam gratuitos pra você pegar e usar nos seus projetos pra sempre. Personagens, ambientes, efeitos, músicas, sistemas inteiros de gameplay,… tudo.
Além disso, tem o programa Permanently Free Collection com centenas de assets que são sempre gratuitos.
Minha dica: mesmo que você não vá usar agora, entra todo mês na Epic Games Store/Launcher e pega os assets gratuitos. Adiciona na sua biblioteca. Um dia você vai precisar de um modelo de árvore ou um efeito de fogo e já vai ter lá, de graça.
Blueprints: Programação Visual que funciona de verdade
O que são Blueprints?
Aqui tá o pulo do gato pra quem não sabe programar (ainda). Blueprints são o sistema de programação visual da Unreal Engine. Em vez de escrever linhas de código, você conecta “nodes” (blocos) que representam funções, variáveis, condições, loops - tudo que você faria em código tradicional.
Parece coisa de criança? Não é. Blueprints são usadas em produção por estúdios profissionais. Dá pra fazer jogos inteiros só com elas.
Agora, um ponto importante pra não falar besteira: Blueprint não é programação orientada a objetos (POO) no sentido tradicional. POO “de verdade” é um paradigma de código textual com conceitos como encapsulamento, herança, polimorfismo - coisas que você implementa explicitamente em linguagens como C++, Java ou C#. Blueprint é uma ferramenta de scripting visual que abstrai muita coisa pra facilitar a vida.
O que acontece é que Blueprint utiliza conceitos de POO por baixo dos panos, já que a Unreal Engine é escrita em C++. Todo Blueprint é essencialmente uma classe que pode ser instanciada. Você pode criar Blueprints que herdam de outras classes (herança), definir variáveis públicas ou privadas (encapsulamento básico), e diferentes Blueprints podem responder ao mesmo evento de formas diferentes (uma forma de polimorfismo). Então você tá usando abstrações de POO, só que de forma visual e mais acessível.
Na prática, Blueprint é um complemento à programação em C++, não um substituto. Ele permite que designers e artistas implementem lógica de gameplay sem escrever código, o que é incrivelmente poderoso pra produtividade de um time. Mas pra coisas mais complexas e que exigem performance, C++ ainda é rei.
De qualquer forma, você aprende lógica de programação - condicionais, loops, funções, variáveis, eventos - tudo isso tá lá, só que de forma visual.
Por que Blueprints são geniais pra iniciantes
Olha, eu vou ser honesto: quando comecei a estudar programação tradicional, travei várias vezes. Sintaxe, ponto e vírgula faltando, erro de compilação que não fazia sentido, aquela tela preta do terminal que não te dá feedback visual nenhum… eu acabei entrando em um relacionamento de amor e ódio e acabei me aprofundando, mas muitos desistem antes disso e eu lembro de vários casos assim na faculdade - pessoas de outros cursos que precisavam fazer COMP1 desesperadas.
Com Blueprints, você VÊ o fluxo de execução. Literalmente. Quando você roda o jogo em modo debug, dá pra ver os dados passando pelos nodes, qual caminho a lógica tá seguindo, onde tá travando. É muito mais fácil de entender o que tá acontecendo.
E o melhor: você não precisa decorar sintaxe. O nome da função tá ali no node. Os parâmetros têm descrição. Você pode arrastar e conectar pra ver o que encaixa em quê. O feedback é imediato - conectou errado, aparece um erro visual.
Isso não significa que é fácil. Lógica de programação continua sendo lógica de programação. Você ainda precisa entender o que é uma variável, como funciona um loop, quando usar uma condição. Mas a barreira de entrada é muito menor e isso pode sim acabar levando pessoas a quererem ir para programação. Desenvolver o jogo em C++ pela unreal, por exemplo, poderia ser muito mais preciso e otimizado, dando para fazer coisas complexas via script e coisas “padrão” via BP.
Blueprints como porta de entrada pra programação
Aqui vai uma opinião pessoal: se você quer aprender a programar mas sempre achou intimidador, começar com Blueprints pode ser uma boa porta de entrada para quem tem o sonho de criar seu próprio.
Sério. Você vai aprender os conceitos fundamentais de programação - variáveis, tipos de dados, funções, condicionais, loops, eventos, orientação a objetos - tudo isso de forma visual e com feedback imediato. E o mais importante: você vai estar criando algo real, um jogo, não só exercícios abstratos.
Depois que você pegar o jeito da lógica, migrar pra código tradicional fica muito mais fácil. Você já sabe O QUE precisa fazer, só precisa aprender COMO escrever. A sintaxe vira só uma tradução do que você já entende visualmente.
Conheço gente que começou com Blueprints, pegou gosto, e hoje programa em C++, Python, C#… A porta de entrada foi o visual, mas o destino foi o mesmo.
C++ na Unreal: Quando e Por que
Então precisa saber C++?
Não necessariamente. Dá pra fazer jogos completos só com Blueprints. Mas C++ te dá mais controle e melhor performance em certas situações.
A real é que a prática recomendada é usar os dois juntos. C++ pra sistemas de baixo nível que precisam de performance (física customizada, AI complexa, sistemas de rede), Blueprints pra lógica de gameplay, UI, prototipagem rápida.
O que é “baixo nível”? Quando a galera fala em linguagem de “baixo nível”, tá se referindo a linguagens que trabalham mais perto do hardware, com menos abstrações entre seu código e a máquina. C e C++ são consideradas de baixo nível (ou médio nível, dependendo de quem você pergunta) porque te dão controle direto sobre memória, ponteiros, e como os dados são organizados. Isso significa mais performance, mas também mais responsabilidade - você pode fazer coisas muito poderosas, mas também pode dar tiro no próprio pé se não souber o que tá fazendo. Linguagens de “alto nível” como Python ou JavaScript abstraem tudo isso pra você, são mais fáceis de usar, mas geralmente mais lentas.
Se você tá começando: foca em Blueprints primeiro. Aprende a lógica, faz uns protótipos, entende como a engine funciona. C++ pode vir depois, quando você sentir necessidade.
Se você já programa ou quer aprender C++: vai fundo. A Unreal é uma excelente forma de praticar C++ com feedback visual imediato. Mas não ignora Blueprints - mesmo devs experientes usam elas pra prototipagem porque é muito mais rápido.
A combinação perfeita
Na prática de um projeto real, geralmente funciona assim:
- C++ pra criar as classes base, sistemas core, coisas que precisam de performance
- Blueprints pra estender essas classes, definir comportamentos específicos, fazer iterações rápidas
Você programa a base em C++, expõe variáveis e funções pras Blueprints, e designers/artistas podem ajustar valores e comportamentos sem precisar mexer no código. É um workflow poderoso.
Unity: A Alternativa Popular
Não dá pra falar de desenvolvimento de games sem mencionar a Unity. Ela é provavelmente a engine mais usada no mundo, especialmente entre desenvolvedores indie e mobile.
Pontos fortes da Unity
- Curva de aprendizado mais suave - A interface é mais limpa e menos intimidadora que a Unreal
- C# como linguagem principal - Mais amigável que C++ pra iniciantes em programação
- Comunidade gigantesca - Qualquer problema que você tiver, alguém já teve e postou a solução
- Asset Store monstruosa - Milhares de assets, scripts, ferramentas
- Ótima pra mobile e 2D - Historicamente mais forte nessas áreas
Quando escolher Unity vs Unreal?
Depende do seu projeto e das suas preferências. De forma bem simplificada:
Unity se encaixa melhor pra: jogos mobile, jogos 2D, projetos menores, se você já sabe ou quer aprender C#, se prefere uma interface mais limpa.
Unreal se encaixa melhor pra: jogos 3D com foco em gráficos, se você não quer/sabe programar (Blueprints), projetos maiores, se você já sabe ou quer aprender C++.
Mas honestamente? Ambas são capazes de fazer qualquer tipo de jogo. A escolha muitas vezes é mais sobre preferência pessoal e qual workflow você curte mais.
Blender: O Herói dos Assets 3D
Por que todo dev deveria conhecer Blender
Se você vai trabalhar com jogos 3D, uma hora ou outra vai precisar de modelos, animações, texturas. E contratar artista 3D ou comprar tudo na asset store nem sempre é viável, especialmente no início.
Entra o Blender - software de modelagem 3D completamente gratuito e open source. E não é gratuito “meia boca” não - é usado em produções profissionais, filmes, jogos AAA.
Com Blender você pode criar seus próprios personagens, objetos, cenários. Pode fazer rigging (esqueleto) e animações. Pode texturizar. Pode renderizar. É uma ferramenta completa.
A curva de aprendizado
Vou ser honesto: Blender tem uma curva de aprendizado íngreme. A interface é diferente de tudo que você já usou, os atalhos são únicos, e no começo você vai se sentir completamente perdido.
Mas depois que passa essa fase inicial, a coisa flui. A comunidade é incrível, tem tutorial pra tudo no YouTube, e a sensação de criar seu próprio modelo e ver ele funcionando no jogo é impagável.
Minha sugestão: não tenta aprender tudo de uma vez. Começa com modelagem básica - um objeto simples, uma arma, um item. Depois parte pra coisas mais complexas. Animação e rigging podem ficar pra depois.
E uma dica importante: quando for exportar pro Unreal/Unity, presta atenção nas normais e nos UV maps. Esses dois são responsáveis pela maior parte dos bugs de “meu modelo tá estranho na engine” (experiência próprioa), mas isso é assunto pra outro post.
Por Onde Começar: Um Roadmap Prático
Beleza, muita informação. Por onde começar de verdade?
Se você nunca fez nada de gamedev:
- Baixa a Unreal Engine (é grátis) ou Unity (também grátis)
- Faz os tutoriais oficiais - Sério, faz. São bem feitos
- Cria um projeto simples - Um jogo de plataforma básico, um shooter simples, qualquer coisa pequena
- Termina esse projeto - Isso é o mais importante e o mais difícil
Se você já programa:
- Escolhe uma engine e mergulha nela
- Entende o workflow específico - Cada engine tem seu jeito de fazer as coisas
- Faz um projeto usando as ferramentas visuais primeiro (Blueprints, Visual Scripting)
- Depois integra código onde fizer sentido
Se você é artista/designer:
- Blueprints são suas amigas - Dá pra fazer muita coisa sem código
- Aprende o básico de lógica de programação - Variáveis, condições, loops
- Foca no que você já sabe - Use suas habilidades artísticas, deixa a programação pesada pra depois ou pra parceiros
O conselho mais importante
Termina projetos pequenos antes de começar projetos grandes.
Todo mundo quer fazer o RPG épico com 200 horas de gameplay. Ninguém termina. Faz um jogo de 5 minutos primeiro. Depois um de 15. Aprende o processo completo - do conceito até o “jogo rodando no PC de outra pessoa”.
Esse ciclo completo ensina mais do que qualquer tutorial. E te prepara pros projetos maiores que vão vir depois.
Pode até começar fazendo jogo single player mesmo, mas pode ser legal você ir fazendo seu jogo como multiplayer caso queira fazer assim no futuro, pois dps para mudar isso pode ser mais trabalhoso. Sem falar que entender como funciona a questão de Client side e Server side vai ser MUITO importante. Agora, caso seu objetivo seja realmente APENAS jogos single player, então fica nisso mesmo.
Recursos e Comunidade
Onde aprender mais
- Documentação oficial - Tanto Unreal quanto Unity têm docs excelentes
- YouTube - Canais como Unreal Engine (oficial) e de outros criadores são ótimos
- Comunidades - Reddit (r/unrealengine, r/gamedev), Discord servers, fóruns oficiais
- Cursos - Udemy, e youtube mesmo já tem muita coisa boa (em cursor sempre espere promoção, nunca paga preço cheio)
Não subestime a comunidade
A comunidade de gamedev é surpreendentemente receptiva com iniciantes. Pergunta nos fóruns, entra em Discords, mostra seu trabalho. A galera geralmente quer ajudar.
E contribui também… quando você aprender algo, faz um post, grava um vídeo, ajuda quem tá começando. Esse ciclo é o que mantém a comunidade viva.
Considerações Finais
Desenvolvimento de games é uma área vasta e pode parecer overwhelming no início. Engines, linguagens, modelagem, animação, som, game design… é muita coisa.
Mas a real é que você não precisa saber tudo pra começar. Escolhe uma engine, aprende o básico, faz um projeto pequeno, termina ele. Repete. Aos poucos você vai expandindo seu conhecimento nas áreas que precisar.
E sobre a eterna discussão de qual engine é melhor, qual linguagem usar, Blueprints vs código… no final das contas, o que importa é o jogo que você faz, não a ferramenta que você usou. Escolhe algo, fica bom naquilo, e cria.
A Unreal com Blueprints é minha recomendação pra quem tá começando porque a barreira de entrada é baixa, o feedback é visual e imediato, e você ainda tá aprendendo programação de verdade - só de um jeito diferente. Mas se Unity te atrai mais, vai de Unity. Se Godot parece interessante, vai de Godot. O importante é começar.
Lembre-se: todo jogo que você admira foi feito por pessoas que em algum momento também não sabiam nada. A diferença é que elas começaram. E terminaram. Então para de assistir tutorial e vai fazer alguma coisa. Sério. Abre a engine agora e cria algo. Qualquer coisa. O primeiro passo é o mais difícil, mas também é o mais importante.